Sétima edição da revista Isaac Asimov’s Science Fiction Magazine. Seguimos disponibilizando os Editoriais de Asimov traduzidos para o português. Divirta-se!

EDITORIAL: O Nome de Nosso Campo
No editorial da última edição, falei sobre as “viagens extraordinárias”de Júlio Verne e que elas levantam a questão de como é difícil encontrar um nome para o tipo de publicações que temos aqui nesta revista e em outras do mesmo tipo.
Esta revista contém “histórias”; e uma “história” nada mais é do que recontar eventos, descrevendo detalhes de forma organizada. O relato pode ser tanto de incidentes reais como inventados, e com o tempo passamos a separar a “História” como a realidade, e simples “histórias” como algo ficcional. Em inglês usamos duas palavras diferentes: History para o primeiro caso e story para o segundo caso.
Um “conto” é algo que é “contado”, e uma “narrativa” é algo que é “narrado”. Tanto “contar” como “narrar” podem ser usados para acontecimentos reais ou inventados. “Narrar” é a palavra menos usada das duas simplesmente porque é mais difícil de falar e por trazer uma sensação de mais formalidade.
Uma palavra que é usada exclusivamente para peças criadas da imaginação e nunca para as histórias reais é “ficção”, que vem de uma palavra do latim que significa “inventar”.
O que esta revista contém, então, são histórias — ou contos — ou, mais precisamente, ficção. Naturalmente, há diferentes variedades de ficção, dependendo da natureza de seu conteúdo. Se os eventos relatados lidam principalmente com amor e relacionamentos, temos as “histórias de amor” ou “contos de amor”. Do mesmo jeito, podemos ter “histórias de detetive” ou “contos de terror” ou “ficção de mistério” ou “histórias de confessionário” ou “contos de caubói” ou “ficção na selva”. As peças que aparecem nesta revista lidam, de uma forma ou de outra, com as mudanças futuras no nível da ciência, ou na tecnologia que é movida pela ciência. Será que não faz sentido, então, considerar essas peças como “histórias científicas”, ou “contos científicos” ou, mais precisamente, “ficção científica”?
No entanto, o termo “ficção científica”, um nome tão óbvio quando se pensa nele, só surgiu muito tarde. As viagens extraordinárias de Júlio Verne eram chamadas de “fantasias científicas” na Grã-Bretanha, e o termo parecido, “science fantasy“, ainda é usado até hoje.
“Fantasia” é uma palavra derivada de outra, grega, que significa “imaginação”, então não é completamente inapropriada, mas implica na existência mínima de restrições do que se pode fazer. Quando falamos em “fantasia” nos dias de hoje, geralmente estamos nos referindo a histórias que não dependem das leis da natureza descobertas pela ciência, enquanto histórias de ficção científica dependem.
Outro termo usado nos anos 20 nos Estados Unidos era “scientific romance”, ou “romance científico”. A palavra romance era usada originalmente para descrever qualquer coisa publicada nas línguas românicas, ou seja, os idiomas comuns da Europa ocidental; isso quer dizer que era utilizado para se referir a textos cujo objetivo era a diversão. Trabalhos mais sérios eram escritos em latim, claro. O problema é que “romance” passou a ser aplicado para histórias de amor, então “romance científico” ficou esquisito.
“Histórias de pseudo-ciência” já chegou a ser usado, mas é um insulto. “Pseudo” vem de uma palavra em grego que significa “falso”, e mesmo que as extrapolações da ciência usadas na ficção científica não sejam ciência de verdade, também não chegam a ser ciência de mentira. Elas são “ciência que um dia pode vir a ser verdade”.
“Histórias de super-ciência”, mais outro nome que chegou a ser usado, é muito bobo e infantil.
Em 1926, quando Hugo Gernsback publicou a primeira revista da história a ser devotada exclusivamente à ficção científica, ele a denominou Amazing Stories. (que pode ser traduzido por histórias espetaculares, incríveis, surpreendentes)
Esse nome pegou. Quando apareceram outras revistas, sinônimos para “amazing” foram frequentemente usados. Tínhamos Astounding Stories, Astonishing Stories, Wonder Stories, Marvel Stories, e Startling Stories. Todas essas revistas estavam nas bancas na época em que o mundo e eu éramos jovens.
Esses nomes, no entanto, não descrevem a natureza das histórias mas, sim, seus efeitos no leitor, e isso não é suficiente. Uma história pode surpreender, maravilhar ou assustar você; pode ser incrível ou espetacular; e ainda assim não ser necessariamente ficção-científica. Não precisa nem ser uma história de ficção. Era necessário algo melhor.
Gernsback sabia disso. Originalmente ele havia pensado em chamar a revista de “Scientific Fiction”. No entanto, isso era difícil de pronunciar rapidamente, principalmente por causa da repetição da sílaba “fic”. Por que então não combinar as palavras e eliminar uma dessas duas sílabas? Teríamos então “scientifiction”. (Imaginem, em português, “ficcientífica”.)
Só que “scientifiction” é uma palavra feia, difícil de entender e, mesmo se compreendida, capaz de afastar aqueles leitores em potencial que correspondem a palavra “científico” com a palavra “difícil”. Gernsback então usou a palavra somente no subtítulo: Amazing Stories: the Magazine of Scientificion. Ele apresentou também a abreviatura “stf”. Tanto a palavra como a abreviatura ainda são usadas de vez em quando.
Quando Gernsback foi forçado a abrir mão da Amazing Stories, ele publicou uma revista concorrente chamada Science Wonder Stories (algo como Histórias Maravilhosas da Ciência). Em seu primeiro número (junho de 1929) ele usou o termo “ficção científica” e a abreviação “S.F.” — ou “SF” sem os pontos — acabou se popularizando. Em algumas ocasiões o termo apareceu com hifen, “ficção-científica”, mas isso só acontece raramente. A história, no entanto, não termina aí.
Como eu disse na edição passada, existe um sentimento compartilhado por alguns que o termo “ficção científica” dá ênfase demasiada e de forma errônea ao conteúdo científico das histórias. Desde 1960, em particular, a ficção científica passou a transferir uma parte desse foco na ciência para a sociedade, dos aparelhos tecnológicos para as pessoas. Ainda lida com as mudanças no nível da ciência e tecnologia, mas essas mudanças passam cada vez mais para o pano de fundo.
Eu creio que foi Robert Heinlein quem primeiro sugeriu que passássemos a usar o termo “ficção especulativa”; alguns, como Harlan Ellison, apoiam fortemente essa mudança. Para mim, porém, “especulativa” parece uma palavra fraca. Tem quatro sílabas e não é muito fácil de pronunciar rapidamente. Além disso, praticamente qualquer coisa poderia ser ficção especulativa. Um romance histórico pode ser especulativo; uma história sobre um crime real pode ser especulativa. “Ficção especulativa” não carrega em si uma descrição precisa do nosso campo de trabalho e não creio que iria funcionar. Na verdade, eu acho que eles tentaram usar “speculative fiction”, o termo correspondente em inglês, somente para poder manter o “s.f.”
Isso nos leva a Forrest J. Ackerman, um rapaz maravilhoso por quem tenho enorme afeto. Ele é um devoto dos trocadilhos e jogos de palavras assim como eu também sou, mas Forry nunca aprendeu que algumas coisas são sagradas. Ele não resistiu e cunhou “sci-fi” como um termo análogo, em aparência e pronúncia, ao termo “hi-fi”, a conhecida abreviação de “high fidelity” ou, em português, alta fidelidade. “Sci-fi” é agora amplamente utilizado por pessoas que não leem ficção científica. É usado principalmente por pessoas que trabalham no cinema e na televisão. Isso o transforma, talvez, num termo que tem sua utilidade.
Podemos definir “sci-fi” como aquele material de baixa qualidade que algumas vezes é confundido, pelas pessoas ignorantes, com a “SF”. Sendo assim, Star Trek é SF enquanto Godzilla Vs. Mothra é sci-fi.
— Isaac Asimov
Abaixo, a seção de cartas. No momento, somente no original em Inglês..





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